Anteriormente à edição da Lei 9.656 de 3 de junho de 1998, as Companhias de Seguros podiam comercializar seus produtos sem a discriminação dos percentuais de reajuste de faixa etária a que estariam submetidos seus contratos de seguro saúde e podiam justificar a sua conduta na ausência de norma reguladora do órgão fiscalizador da época, a SUSEP.
Independentemente da omissão do órgão fiscalizador, é certo que o CDC operava plena vigência desde 11 de março de 1991 e dispunha, em seu art. 6º, sobre os direitos básicos do consumidor como “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (inciso III) e “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (inciso V).
Além disso, o inciso IV, do art. 51, da norma em comento, atesta que “são nulas “de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
Em outras palavras, os contratos de seguro saúde que, embora tenham sido firmados na vigência do CDC, mas anteriormente à Lei 9.656/98, também chamados de Contratos Antigos, podem eventualmente não ter observado as regras acima mencionadas.
Esta situação não passou despercebida pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça que editou a Portaria nº 3, de 19 de Março de 1999, por meio da qual declarou que são nulas de pleno direito as cláusulas que “determinem aumentos de prestações nos contratos de planos e seguros de saúde, firmados anteriormente à Lei 9.656/98, por mudanças de faixas etárias sem previsão expressa e definida”.
Também a ANS, órgão que passou a regular a atividade do setor de saúde suplementar após a vigência da lei em estudo, estabeleceu, por meio da Súmula Normativa n° 5, de 2003 que, em resumo, nos contratos antigos que não informem o índice de reajuste ou não o fazem de maneira clara, de modo a dificultar a compreensão do consumidor, aplica-se o índice de reajuste anual divulgado pela própria agência reguladora.
Em fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente a ADI 1931 para declarar que a Lei 9.656/98 não se aplica aos contratos celebrados anteriormente à sua vigência e ainda declarou a inconstitucionalidade do artigo 10, § 2º e do artigo 35-E da Lei 9.656/1998, porque tais dispositivos previam a incidência das novas regras relativas aos planos de saúde em contratos celebrados anteriormente à vigência da Lei dos Planos de Saúde.
A lei nova não poderia retroagir para atingir os efeitos futuros dos negócios jurídicos implementados em data anterior à sua vigência. Assim, com tal decisão, passou a valer, quanto aos reajustes das mensalidades dos seguros ou planos de saúde contratados anteriormente à Lei nº 9.656/1998, apenas o que estivesse estabelecido em cada contrato, ressalvada a possibilidade de aplicação do CDC, de modo a proteger a parte hipossuficiente da relação jurídica.
Esta ressalva já é suficiente para se constatar que a cláusula que não especifica os índices de reajustes em razão de mudança de faixa etária é nula de pleno direito, por violar direito de informação do contratante e ainda permitir variação unilateral do preço colocando o consumidor em desvantagem exagerada.
É claro que o reajuste de mensalidade de plano de saúde em razão de mudança de faixa etária não é, por si só, ilegal. Na realidade, a cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária encontra fundamento no mutualismo e na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de riscos, o que concorre para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do próprio plano.
No entanto, sob pena de nulidade, é indispensável que os índices estejam expressos de forma clara no contrato, como definiu o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1568244/RJ sob a sistemática dos Recursos Repetitivos e assentar a tese nº 952 segundo a qual “a variação das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário deverá estar prevista no contrato, de forma clara, bem como todos os grupos etários e os percentuais de reajuste correspondentes, sob pena de não ser aplicada”.
No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é, aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/1998, deve-se seguir o que consta do contrato, respeitadas, quanto à abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da ANS.
Como se percebe, a nulidade das cláusulas dos contratos antigos decorre de sua omissão ou obscuridade quanto aos índices de faixa etária ou grupos etários e não é afetada pela irretroatividade da Lei 9.656/98 ou pela declaração de inconstitucionalidade de certos dispositivos pelo STF.
É, portanto, imprescindível que os índices e os grupos etários estejam discriminados nos contratos antigos para que a cláusula seja considerada válida e possa ser aplicada. Do contrário, tais contratos somente poderão sofrer o reajuste anual fixado pela ANS.
Autora: Julliana Cunha. Advogada especialista em Direito dos Seguros. Sócia do Borba & Santos Advogados Associados. Vice-Presidente da Comissão de Direito Securitário da OAB/DF (2019/2021).
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